30.4.10

cariño ou afago na alma




por Miki W.

ah, a minha infância… teve momentos alegres e momentos tristes, mas, no ‘balanço das horas’, tenho saudades. lembro da lancheira caprichosamente preparada pela minha mãe que era sempre pãozinho francês com uma camaradinha de margarina e salaminho e uma garrafinha [aquela antiga de plástico com copinho atarraxada em cima] de suco de laranja. lembro das botinhas ortopédicas, de pintar as unhas de verde, de ser esquisita [desde pequena], de ser brabicha, de ser tímida, de brincar de bolo de barro na rua com as filhas da vizinha. lembro do alpendre na minha primeira casa da rua padre charton, 22, dos elementos vazados cor de barro e o sol entrando e fazendo desenhos no chão e nas plantas da minha mãe. lembro de um quintal em forma de U com um barrancão ao fundo. lembro da longa escadaria sem parapeito de alvenaria rústica, com areinhas que faziam cosquinha nos pés. lembro da casa da vizinha, d. ebe, de seu filho joão ~ que era o tio preferido de todos os netos ~ e das brincadeiras endemoniadas com a mais endemoniada das netas, a carla.

lembro da rita, minha primeira melhor amiga e das correspondências que trocávamos cada uma em um canto do são paulo, ela na capital e eu no interior. cartas que guardo até hoje. lembro do pé-de-moleque ~ em minha memória maravilhoso ~ que a minha obachan fazia só pra mim. nunca comi nada igual. delicioso e com perfume de infância.

lembro dos meus priminhos mais prediletos, filhos da irmã mais nova da minha mãe que era a única tia que morava relativamente perto de nós quando ainda morávamos ‘na capitar’. eu já era mocinha, eles eram crianças, mas ah! como eu gostava daqueles priminhos.

lembro do quito, meu periquitinho verde que depois foi comido pelo gato do vizinho do meu primo. não me lembro bem porque, mas ele foi embora da minha casa para a casa do meu primo e não durou muito o pobre. teria sido melhor que ele tivesse ficado conosco :(. pobre quito…

lembro da entrada da minha primeira escola, a subida de paralelepípedos, os arcos altos de concreto, as escadarias, as estátuas de santa, a capelinha, o pátio do recreio, a cantina, a pizzinha da cantina e as balas ‘bandinha’ [um veneno só]. lembro do meu primeiro amor, do meu segundo amor e de como tudo foi platônico. sinto nostalgia e saudade.

lembro das festas juninas, dos vestidos caipira, da quermesse, da pescaria no tanque de areia [a minha favorita ever], das prendas que tínhamos que levar para a escola, da quadrilha…

lembro das aulas de música, a professora ao piano. lembro das freiras da escola. da lagartixa que uma delas carregava dentro de um pote de vidro de maionese.

sabichii*…

lembro dos tombos de bicicleta, do lixo atirado ao rio, das aventuras na padaria. ‘502 gramas de mortadela, moço’ ‘500 e… 2?’ ‘sim’ disse eu sem sombra de dúvida. lembro do fura-bolo, do sorvete que tinha chiclé no fundo do copinho e dos ventiladores [antigos] de teto que giravam como hélices de avião e ao redor de si mesmos ao mesmo tempo.

lembro do uniforme cor de vinho, das fotografias anuais no pátio, das festas de aniversário com bolo ‘toalha felpuda’ embrulhados no papel alumínio. eram molhadinhos e tão bom!

lembro do parquinho, dos tanques com muitas torneiras para se beber água, do grande salão com palco onde aconteciam as apresentações de música.

lembro de um dos meus brinquedos favoritos, o telefone ‘bate-papo’ da estrela e de como eu podia me entreter por horas com ele [quer dizer, essa parte eu acho pois não consigo ter lembranças dessa idade tão remota].

ali tudo era tépido e seguro. ali eu me sentia aconchegada, amada, protegida. ali eu me sentia feliz apesar de tudo. ali eu não tinha dúvidas, desespero, ansiedade…

talvez por isso eu sinta tanta saudade. talvez por isso eu tenha uma afeição especial por coisas ‘de criança’. talvez por isso eu continue querendo ser criança para sempre na vida. talvez…

21.abr.2010 ~ 17:53 a 18:41

* sabichii é uma expressão em japonês que decifra uma saudade melancólica, uma falta de não-sei-o-quê, um vazio dentro do peito que parece que não conseguirá ser preenchido por coisa desse mundo.

sobre a autora:

Essa menina fofa no velotrol é a Miki W. Uma pessoa incrível, essa minha amiga linda e eterna companheira de ateliê. Ela é artista plástica, designer e escritora. Muito talentosa e querida, adora inventar palavras novas. Tem mil e um talentos e é prendada que só vendo. Sabe a expressão "mãos de fada"? Acho que foi inventada para ela. Para ver mais sobre seus lindos trabalhos feitos com aquelas mãos de fada, entre aqui:

http://www.flickr.com/photos/mikiw

http://mikiw.blogspot.com


7.4.10

O Sítio e o Cachorro Louco




por Patrícia Kalil


Férias. Sítio de meu pai! Que divertido era passar férias no sítio de meu pai. Dias de peripécias! Assistíamos ao meu pai matar porco, mostrar o passo a passo do cuidado com a horta, achar abóboras gigantes pela plantação.

Ele tinha uma lata velha, enferrujada, misteriosa, que ficava sempre na sala. Dizia que tinha um rato enorme dentro e ameaçava as crianças quando a bagunça parecia incontrolável.

- Cida, pega a lata do rato! Vamos parar com essa zona, senão eu abro…a lata!

Eu morria de medo que ele abrisse. Tinha certeza que desfaleceria só de ver o rato gigante que ele criava lá.

Como a vida não é feita só de hortas e porcos, um dia… aconteceu um acidente. A mulher do caseiro gritou esbaforida:

- Seu Ricardo, um cachorro tá comendo meu marido! Seu Ricardo!!

Todas as crianças (eu, Luciano, Kalilzinho, Amelinha, Ticinha, Tiago, Binho e sei lá mais quem –a casa de meu pai sempre foi cheia de crianças) estavam espalhadas pelo sítio. Uns brincando de fazer bolo de barro, outros brincando de pega-pega, outros de pescar no lago … De repente, ouvi a tia Cida gritar:

- Crianças, venham para cá! Corram! Fiquem! Abaixem!! O pai saiu com o revólver. Tem um cachorro louco solto!

- Do que ela tá falando? Que cachorro louco?, pensei eu.

Bem, movimento e medo geral. Luciano me procurando. Eu procurando Luciano. Meu pai, o caseiro, o cachorro louco, a tia Cida gritando e as outras crianças perdidas.

Na minha imaginação, acho que me meti embaixo da Kombi (hoje, o senso crítico faz com que eu reveja essa parte e pense que, de fato, eu tenha pulado dentro da Kombi). Luciano estava comigo. Ouvimos tiros.

Era a primeira vez -e espero, a única – que o pai saía para matar. Ninguém deveria estar no caminho. Eu pensei: “Ora, por que ele não pegou a lata do rato?” De qualquer forma, na minha memória, meu pai salvou o caseiro, matou o cachorro e enervou o vizinho dono do Dog Alemão.

Sobre a autora:

Patrícia Kalil além de ser essa menina fofa de rosa na boca, é escritora, jornalista, supresa boa do ano passado, companheira de projetos de elevador e amiga querida gêmea-de-cor-olho. Confesso que esta última descrição foi mais por conta de eu querer ter algo parecido com esta moça admirável e linda de tudo que ela é. Aposto que todos adorariam conhecê-la! Para ler e sentir um pouco mais do que ela pensa, sente e vê deste e de outros mundos, entre aqui:

http://www.patriciakalil.com/blog